José Antonio Lemos dos Santos
A cidade constitui a maior, a mais complexa e bem-sucedida das invenções do homem. Surgida há 5 mil anos, com ela veio a Civilização que acelera a evolução humana. De lá para cá o mundo foi se urbanizando e a partir de 2008 se tornou mais urbano que rural.
Com a Revolução Industrial a cidade viveu sua maior inflexão até os dias atuais. Até então ela não fora questionada, mesmo tendo enfrentado enormes crises em seu desenvolvimento. Com a industrialização, a urbanização acelera e as cidades se desequilibram gravemente, exigindo controle e intervenções em suas evoluções. Surge então a ciência do Urbanismo, que evolui e supera o urbanismo de Haussmann, o modernismo da Carta de Atenas, passa pelas experiências pós-modernistas e chega à revolução da eletrônica, da internet e da globalização, com os desafios da compatibilidade ambiental, da inclusão e da busca pelas cidades inteligentes, verdes e sustentáveis.
De extrema complexidade, a cidade é comparável a um organismo vivo em dimensões imensas, que vão das pequenas vilas até às megalópoles ou às megarregiões urbanas, chegando a centenas de quilômetros quadrados com dezenas de milhões de habitantes. A cidade é um recipiente espacial articulado regional e globalmente, onde acontecem as relações urbanas em toda sua diversidade. Sua função é permitir que tais relações aconteçam da melhor forma com sustentabilidade, conforto, segurança e, sobretudo, justiça. Ajudá-las nesta função é o objetivo do Urbanismo. Em evolução contínua, o Urbanismo reflete a complexidade da evolução urbana e abrange os diversos campos de conhecimento envolvidos. Assim, o urbanista não pode ser um especialista, mas um generalista voltado a entender o organismo urbano com um todo. Não se pode tratar os problemas da cidade sem antes tratar da cidade com problemas. Ao urbanista cabe saber um pouco de tudo para enxergar o todo, e, em especial, saber que, embora essencial, sua ciência é nada desacompanhada das diversas especialidades nas múltiplas facetas da problemática urbana.
Semana passada vivemos sem maiores reverências o dia 8 de novembro, o Dia Mundial do Urbanismo, data estabelecida em 1949 para estimular a reflexão global sobre o assunto, hoje ainda mais urgente. As cidades vivem nova e grave inflexão diante da revolução dos satélites, das fibras óticas e da internet que acenam com perspectivas inimagináveis desconstruindo conceitos fundamentais como tempo, espaço e distância, agora na realidade fantástica do ciberespaço, porém ainda atolada no drama da iminência do colapso com a água, lixo, mobilidade, poluição, energia, emprego, fome, moradia e segurança. O problema maior do século XXI são as cidades, mesmo com tantas perspectivas extraordinárias. E as cidades falhando, explode a civilização.
Inaceitável que no Brasil o Urbanismo e o urbanista sejam tão desconsiderados. Como podem existir cidades sem órgãos técnicos especializados que a estudem contínua e sistematicamente, mostrando à cidadania boas opções para seu desenvolvimento? A ausência do Urbanismo asfixia as cidades brasileiras que estressam, mutilam e matam muito. Mas elas ainda são os locais da diversidade e da inovação. As criações do Conselho de Arquitetura e Urbanismo em 2010 com sua Resolução 51 e da Academia de Arquitetura e Urbanismo no ano passado, bem como a realização do Congresso da UIA no Rio ano que vem, são gotas de esperança neste oceano geral de insensibilidade. Crise é risco e oportunidade. Junto à possibilidade da tragédia está a chance da reinvenção urbana em busca de cidades mais justas, seguras, sustentáveis e humanas. E da própria reinvenção do homem.
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