As Garças Rio acima. Pleno pantanal. De um lado e de outro, a campina de esmeraldas se estira por léguas e léguas. De longe em longe, cintila ao sol a lâmina fulgente de uma baía ou de um braço do rio. O rio é um monstro sem pernas, mas de mil braços que se estendem, como os tentáculos do polvo, abrindo clareiras na mata ou sulcos profundos no campo. Nas corrichas, aberturas que se prolongam por terra adentro, aglomeram-se os camalotes, até que a enchente das águas dali se desagregue e forme, com eles, a infinita procissão flutuante. A aguapé é o relumbro dos egípcios é a ninfeácea que ostenta, sobre o verde de sua folhagem crespa, a flor singela e mimosa do nenúfar, o nosso lótus. Mas, eis que a embarcação que nos transporta entra, mansa, num estirão comprido, em cujo fim parece terminar o rio. Vencida, vagarosamente, a correnteza, ao dobrar a curva, demoradamente atingida, onde as águas rodopiam, alastra-se aos nossos olhos, como um enorme lençol desdobrado, uma praia de areias fulvas e faiscantes. Sobre ela, como troncos derribados, dormem os hidrossáurios e, como se o fizessem medrosas de acordar os jacarés repelentes, as alvacentas garças, tímidas e lindas, pé ante pé, silenciosas, maricam à beira d’água. A embarcação, porém, se aproxima e, de súbito, movido pela mesma força instintiva, o bando gentil, com estrépito, esvoaça e parte em revoada, pondo uma via láctea de asas no céu de ametista da tarde. Mais além, alto e anoso cambará, por entre o verde escuro da mata ribeirinha, abre, solene, o pálio de ouro de sua copa florida. E o bando lindo das garças vem pousar na árvore em flor, derramando sobre o jalde das frondes a pureza imaculada da sua brancura... Agora, em contínuas e rápidas cambiantes, a multidão alada e albente recama o manto roxo dos ipês.
Fonte: Revista AML, comemorativa do Jubileu de Diamante, 1996, p. 175 http://www.diariodecuiaba.com.br/ilustrado/conto-de-jose-magno-da-silva-pereira-1848-1927/515300
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