"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



quarta-feira, 9 de março de 2011

VIADUTO X PRESERVAÇÃO

Controvérsia entre os arquitetos Eduardo Chiletto e José Antonio Lemos dos Santos
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Sobre a intervenção no Centro Histórico: Viaduto x Preservação


Publicado em março 8, 2011 por Eduardo Chiletto

A globalização foi determinante na principal característica histórica do processo de urbanização em nosso país, a desigualdade, a exclusão territorial e o desrespeito pelo local. Ao longo de décadas foi-se construindo uma democracia interrompida, freqüentemente, por períodos ditatoriais e a poucas décadas atrás por uma política de desrespeito ao nosso patrimônio cultural – material e imaterial – uma verdadeira exclusão patrimônio-social-cultural visivelmente constatada nas cidades brasileiras e principalmente em nossa capital, Cuiabá, claramente observadas no entorno do nosso centro tombado.

Não podemos esquecer que o centro histórico de uma cidade é sua referência, o coração pulsante de uma cultura. Preservá-lo significa valorizar as tradições, as lendas, os mitos, o folclore, a civilização e nossa cidadania. Intervenções em áreas tombadas e em seu entorno podem vir a comprometê-la.

Deduz-se então que a intervenção de um viaduto projetado nesta área para atender as questões de mobilidade urbana comprometerá a visibilidade da área tombada e conseqüentemente nosso patrimônio histórico, principalmente a área remanescente do período da mineração, que compreende a igreja do Rosário e São Benedito, uma das principais referências culturais da nossa cidade.

Violar, macular esse patrimônio histórico artístico nacional tombado seria, no mínimo, um desrespeito aos nossos antepassados, à nossa cultura e à nossa nação. Um desrespeito a nós mesmos, à nossa cidadania.

Cuiabá necessita crescer sem conflitos entre o desenvolvimento urbano e seu patrimônio cultural. Os conceitos que embasam o Planejamento Urbano dão enfoque às questões ambientais concomitantemente, ou melhor expresso, como questões urbano-ambientais.

A problemática socioambiental urbana esteve intimamente ligada ao esgotamento sanitário, aos resíduos sólidos, à qualidade da água e à poluição (inclusive e, sobretudo em nosso caso, à poluição visual), que fazem parte da problemática urbana de Cuiabá e que devem se constituir prioridades da ação municipal.

Na atual abordagem urbano-ambiental a manutenção dos espaços públicos e a preservação do patrimônio histórico – material e imaterial – são objeto da gestão ambiental do território urbano, de modo que ativos históricos são enfrentados como um patrimônio da sociedade e, portanto, preservados em seu todo para serem desfrutados pelas gerações atuais e futuras.

No “projeto de desenvolvimento” apresentado pela AGECOPA a Avenida da Prainha é uma das vias prioritárias e um dos principais eixos de intervenção, mas se-gundo a divisão técnica do IPHAN, não há especificações nem detalhamento no projeto na área que a avenida delimita como área tombada. Isso é projeto de desenvolvimento?

Apesar de carioca da gema, sou com muita deferência cidadão mato-grossense… Como muitos que aqui se encontram. Não sou cidadão amazonense, baiano, paulista e muito menos curitibano… Nada contra sê-lo, pelo contrário. Mas ter o título de cidadania de um estado significa entre outras coisas, ter respeito à cultura de onde escolhi para viver. Respeito não só ao meu estado, mas à minha cidade, aos indivíduos que aqui residem e principalmente aos antepassados desta terra… Pessoas tão queridas que aqui viveram e deram tanto amor por esse local.

Os “paus rodados” que me desculpem, mas amar o lugar onde se vive, respeitar suas tradições, sua história e lutar para preservá-lo é fundamental.

Espero e acredito que o “projeto de desenvolvimento” apresentado pela AGECOPA para a Avenida da Prainha deva ser pensado e priorizado como um projeto de desenvolvimento sustentável, que por sua vez nada mais é que planejar com enfoque holístico e sistêmico um desenvolvimento capaz de suprir as necessidades da geração atual, sem comprometer a capacidade de atender as necessidades das futuras gerações.

É o desenvolvimento que não esgota os recursos naturais, culturais e históricos para o futuro. E nesta nossa questão específica, não compromete, não viola nem macula nosso patrimônio histórico tombado. De modo que os que aqui chegarem como eu e muito de nós, inclusive nossos filhos, netos e bisnetos possam desfrutá-lo e tê-lo como referência.
Sobre Eduardo Chiletto
Arquiteto e Urbanista - Carioca da gema... Doutorando em Arquitetura e Urbanismo EESC-USP... Windsurfista, Skatista, Tenista e Ciclista... Ahhh, jardineiro tb... Diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo-UNIC.

Comentário José Antonio Lemos dos Santos

Meu caro Chiletto,


Concordo com tudo o que você disse, ou quase tudo. O mais importante de tudo é que todas as intervenções humanas, inclusive no patrimônio histórico, tem que ser conscientes e precisam da atenção de toda a sociedade. Batendo duro inclusive como vc já fez quando do episódio do finado viaduto da Isac Póvoas, que nem sequer foi cogitado hoje graças à sua intervenção naquela época. E fazia todo sentido. Mas, do que discordo, primeiro não entendi o “deduz-se” do terceiro parágrafo pois voce traçou umas importantes e verdadeiras considerações gerais e depois fechou concluindo que um viaduto na Avenida da Prainha em Cuiabá “comprometerá a visibilidade da área tombada e principalmente do ...”. Acho que a liberação do Morro da Luz daquelas ocupações horrorosas (e nada históricas) do pé do morro vai valer mais do que tudo que já foi feito pelo patrimônio em Mato Grosso. E quanto ao viaduto, passei hoje por lá novamente depois do seu e-mail e realmente não vi nada de comprometedor em relação ao patrimônio histórico. Hoje, de lá não se vê nada de histórico, a não ser uma loja de baterias ou de pneus Tahiti e um posto de gasolina, nada "históricos". Melhor diria "histéricos". Como já conversamos, preferia ver o IPHAN agilizando recursos e capitaneando um projeto de rebaixamento da fiação no centro histórico. Em segundo lugar no que discordo acho que o desenvolvimento não é incompatível com a história, é parte dela. Precisa ser consciente e responsável para ser sustentável. Mas o mais importante é, como você diz, estarmos sempre atentos ao que se faz em nossa cidade e abertos às idéias divergentes proporcionando debates como este que podem ser até didáticos em um ambiente geral onde a divergência é quase sempre confundida com briga ou desrespeito. Ao contrário, só questiono aquelas opiniões que eu respeito muito, ainda que discorde delas.

Respeitosamente

José Antonio

Um comentário:

  1. Salutar e interessante o debate. Não poderia deixar de participar, principalmente agora que estou no turbilhão das decisões da mobilidade urbana com vistas a preparar a cidade para a Copa do Mundo (e para depois da copa também). Já me disseram que sou uma daquelas criaturas modificadas em laboratório. Minha graduação em arquitetura, com um olhar mais humano sobre a cidade e sua dinâmica se contrapõe, muitas vezes, com a matemática implacável da especialização (minha área de atuação "hoje em sempre") em engenharia de tráfego. Encontrar solução matemática para acabar ou diminuir as filas e atrasos em curto a médio prazo tem sido uma tarefa difícil sob o ponto de vista da malha viária estrutural da cidade, principelmente, quando nos referimos ao centro.
    O tal viaduto rejeitado pelo IPHAN foi projetado no encontro das Avenidas Mato Grosso, Prainha e Rubens de Mendonça. A implacável matemática apontou que em uma hora (no fim da tarde) 6.200 veículos passam por aquele ponto. Esse número só não é maior porque as filas estão saturadas. Tecnicamente não há mais semáforo que consiga atender satisfatoriamente essa demanda. O viaduto projetado não entrou 1 milímetro sequer na área de tombamento histórico. Pelo contrário, previu a retirtada das edificações "histéricas" (como diria o Lemos) e que nada tem a ver com o registro histórico da cidade. Não passou!!! A solução encontrada foi transferir o movimento de quem desce pela Mato Grosso e vira à esquerda em direção ao CPA para a Rua Tenente Eulálio Guerra. A preservação visual do(s) telhado(s) da(s) casa(s) e a(s) árvore(s) dos quintais em algum lugar da Barão de Melgaço (o relógio da Globo está de perfil e não agride a visibilidade do centro histórico), poderá custar a paz e o sossego de quem está no Araés. Sim... Carro gera barulho, barulho gera incômodo e incômodo gera queda na qualidade de vida.
    Na década de 80 algumas cidades optaram por "esparramar" o fluxo de carros criando novas rotas de passagem em vias locais, a fim de aliviar as artérias. São Paulo foi um exemplo. O resultado imediato foi a desvalorização e a degradação do bairro sob o aspecto residencial. Atualmente soluções dessa natureza são questionáveis e entende-se que tráfego de passagem deve ficar concentrado nos corredores a que se destinam.
    Acho que o IPHAN fez o seu papel e não estou aqui desmerecendo suas considerações. A história deve sim ser preservada, como também deve ser garantida a condição mínima satisfatória de circulação das pessoas. A engenharia de tráfego, por mais matemática que ela seja, no fim das contas está voltada para o humano.

    Rafael Detoni Moraes
    Arquiteto e engenheiro de tráfego

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