José Antonio Lemos dos Santos
Cidade é coisa séria e precisa ser levada a sério. Ela é a maior e mais
bem sucedida invenção do homem. Como invenção humana, ela é construída e
tem uma dimensão técnica, porém, como construção coletiva ela tem
também uma dimensão política. Essas duas dimensões lhe são inalienáveis.
A cidade não pode ser conduzida só tecnicamente ou só politicamente.
Não dá para andar numa perna só, qualquer que seja ela, a não ser para o
desastre. Como objeto em constante construção, toda cidade deve ter
ainda um plano diretor sem data de conclusão, mas focado em um horizonte
de planejamento de 20 a 30 anos, que se distancia à medida que nos
aproximamos dele.
Cuiabá e a grande maioria das cidades brasileiras foram dominadas pela
política, justo pela pior de suas vertentes, a política eleitoreira,
aquela que devia ser apenas uma ferramenta de busca pela vontade
democrática, mas que virou uma praga nacional. Com a complacência dos
cidadãos leigos e especialistas, as cidades foram dominadas e deixaram
de ser uma finalidade da política, passando a ser um meio, um balcão de
negócios eleitoreiros no qual os planos, as leis e as normas passam a
ser ou um estorvo ou excelentes oportunidades de negociação quanto a
“flexibilidades” na sua aplicação. Enquanto o horizonte da política
urbana é de no mínimo 20 anos, o horizonte da política eleitoreira é de
2. Projetos com mais de 2 anos de maturação não interessam e o
planejamento atrapalha porque limita o campo de barganha eleitoreiro.
Por isso o Sistema de Desenvolvimento Urbano de Cuiabá criado pela Lei
Orgânica do Município em 89 foi desativado, culminando com a extinção do
IPDU e a truculenta aprovação da nova lei do Uso e Ocupação do Solo, a
principal lei da cidade, no ano passado.
Felizmente algumas cidades do Brasil conseguiram escapar dessa teia
poderosa e perversa. Conseguiram montar um sistema de gestão urbana
técnico e participativo, articulado e eficiente, que se consolidou à
medida que os frutos foram sendo produzidos, ganhando a confiança,
adesão e defesa crescentes da população. Sem querer simplificar, essa é a
grande diferença de Curitiba, Vitória, Goiânia, e Campo Campo-Grande,
entre outras poucas. O duro é lamentar que Cuiabá começou a montar algo
semelhante ao mesmo tempo que Campo Grande tendo na época o
tricentenário como horizonte de planejamento, 30 anos à frente, e que as
coisas evoluíram até bem, mesmo nas administrações adversárias que se
sucederam, produzindo de forma democrática, técnica e participativa os
principais planos e leis da cidade, projetos de grande porte e
instrumentos de controle. A maioria dos projetos da Copa é originária
daquela época, ainda necessários, mas com 10 anos ou mais de proposição.
Só que aqui em Cuiabá a situação reverteu e a cidade institucional foi
descolada da cidade real, justo quando esta passa pelo seu momento
econômico mais rico em oportunidades, enriquecido ainda mais com a Copa
do Pantanal.
As cidades são do cidadão ou não são cidades. A cidadania precisa voltar
a se sentir dona da cidade, que não é do prefeito, vereadores,
governador ou presidente da república, funcionários públicos a seu
serviço visando o interesse público, a res-publica. A República precisa
ser reproclamada. Ainda bem para Cuiabá que veio a Copa para nos chutar o
traseiro. Por causa dela hoje discutimos o futuro, projetos, obras,
discussões em busca de uma cidade que queremos não só grande, mas uma
grande cidade, bela, gostosa, justa, verde, feliz, sustentável e rica em
oportunidades para seus habitantes. Em vez de esperar El-Rey, a
cidadania se mobiliza apaixonada por sua cidade, propositiva, crítica,
ativa e militante. Esse é o caminho.
(Publicado em 22/05/2012 pelo Diário de Cuiabá)
José Antonio Lemos dos Santos, arquiteto e urbanista, é professor universitário aposentado . Troféu "João Thimóteo"-1991-IAB/MT/ "Diploma do Mérito IAB 80 Anos"/ Troféu "O Construtor" - Sinduscon MT Ano 2000 / Arquiteto do Ano 2010 pelo CREA-MT/ Comenda do Legislativo Cuiabano 2018/ Ordem do Mérito Cuiabá 300 Anos da Câmara Municipal de Cuiabá 2019.
"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)
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