"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



terça-feira, 6 de agosto de 2013

O PAPA E NOSSAS CIDADES

José Antonio Lemos dos Santos

noticias.uol.com.br

     A visita do papa Francisco ao Brasil ultrapassou em muito sua dimensão religiosa e sacudiu o país em todos os setores. No mínimo deixou farto material a ser estudado, inclusive no campo do planejamento de proteção de altas autoridades. A alteração de última hora em seu trajeto de chegada ao Rio, desconhecido até pelas autoridades locais, desarmaria qualquer tipo de atentado hipoteticamente planejado, permitindo à Sua Santidade a utilização de um carro simples, com vidro aberto. Nada aconteceu que desrespeitasse a figura do Santo Padre. Teria sido uma estratégia consciente ou uma irresponsabilidade dos serviços de segurança? Ou foi mais uma das bem vindas determinações inovadoras de Francisco? Não há como não lembrar o assassinato do presidente Kennedy a bordo do Lincoln presidencial conversível com hora e trajeto marcados. De outro lado, deixando a hipótese dos atentados hoje tão comuns, não seria muito mais arriscado expor o papa em um carro, mesmo que blindado no centro de uma aglomeração de 1 milhão de pessoas como a que havia se reunido dias antes no Rio e que aconteciam em todo país embaladas pela indignação política geral, pela disponibilização midiática global da Copa das Confederações e pela força de aglutinação das redes sociais? 
     Contudo, dentre as muitas lições do Papa Francisco pinço aquela que mais se aproximaria ao caso da gestão das cidades. Foi proferida no Teatro Municipal do Rio de Janeiro quando disse que o “futuro exige hoje a tarefa de reabilitar a Política, que é uma das formas mais altas da Caridade.” Interessante é que está frase que eu ouvira “ao vivo” pela TV não encontrei nas “transcrições na íntegra” a que recorri depois na internet. Na dúvida, consultei aos vídeos do Youtube e a frase está lá. Mas por que me atraiu esta frase em um discurso cheio de ensinamentos preciosos? Justamente a colocação da Política como uma das mais elevadas formas da Caridade, coisas que parecem tão opostas ao senso comum atual brasileiro. Nada mais “nada a ver” do que Política e Caridade. No entanto o papa Francisco colocou a Política como “uma das formas mais altas da Caridade”, e afirmou, com a ênfase da repetição, ser urgente reabilitá-la.
     O que a Política teria a ver com a Caridade? Reflito. Em uma República, a verdadeira Política, a com “P” maiúsculo é a arte da disputa pelo poder tendo em vista a realização do bem comum, da coisa pública, a “res-publica”. O verdadeiro político seria então aquele que se dedica a trabalhar pelo bem de todos. Sem dúvida, uma forma elevada da Caridade. Não pode jamais ser confundida com a política com “p” minúsculo, também conhecida como politicagem, que se dá em função de interesses pessoais, ou de grupos partidários, econômicos, corporativos etc. Contra esta situação é que o povo foi às ruas, repelindo a companhia de figuras ou bandeiras da nossa atual política.
     A cidade é o bem comum por excelência, a grande casa, a construção coletiva que envolve a todos. Deveria ser a coisa pública mais palpável. No entanto as cidades brasileiras de um modo geral foram transformadas em butins eleitorais, tomadas pela classe política como objetos de barganhas eleitoreiras que as conduzem de forma acelerada ao caos e à metástase urbana que assistimos e sofremos. Fica cada vez mais claro que as cidades brasileiras só terão a qualidade que a população exige e tem direito no dia em que forem retomadas pela cidadania. O resgate da cidade pelo cidadão, seu verdadeiro dono, passa pelo resgate do bem comum como objetivo máximo de uma nação, a reproclamação da República e, como me disse Francisco, a reabilitação da verdadeira Política como a principal ferramenta de sua realização. 
(Publicado em 06/08/13 pelo Diário de Cuiabá)

Um comentário:

  1. Artigo muito esclarecedor!!! E nos faz refletir... Adorei "recordar"a diferença de Política x política.

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