"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



segunda-feira, 23 de março de 2020

IKUIAPÁ EM TEMPO DE CORONAVÍRUS

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    Pedras do Ikuiapá       (Foto: Ignácio Roman/TVCA/ G1)
José Antonio Lemos dos Santos
     Para este artigo havia planejado sugerir uma espécie de mirante para as pedras do Ikuiapá no projeto de extensão da Orla do Porto em implantação pela prefeitura. Como desconheço o projeto, pode ser que a ideia já tenha sido contemplada dada a qualidade dos arquitetos e urbanistas da municipalidade, ainda que poucos para a grandeza da demanda da cidade por estes profissionais. Neste caso o artigo ficaria como um aplauso por mais este esforço municipal no sentido da cidade se voltar para o rio Cuiabá, seu principal cartão postal natural, desvirando-lhe as costas. Vale lembrar que segundo a Enciclopédia Bororo, monumental obra dos salesianos, a origem no nome Cuiabá está naquelas pedras próximas à foz do córrego da Prainha, chamadas pelos autóctones de Ikuiapá, lugar onde se pesca com flecha-arpão, verdade toponímica que não deveria deixar dúvidas sobre o assunto.
     Mas, em tempo de coronavírus todas as demais prioridades viraram “piqui-roído”, como diríamos nós cuiabanos. Esvaíram. O que importa hoje como os Bororos chamavam este ou aquele lugar?  De que vale hoje se a cuia de estimação de um distraído português caiu no rio e se foi nas águas no século XVII? Se é pintado ou cachara? ou talvez jaú? Se gosto mais do amarelo que do vermelho? ou o inverso? Mixto, Operário, Dom Bosco, ou o Cuiabá? Tradicional ou puro malte? Pibão ou pibinho? O fato é que nos enfiamos todos em um imenso globo como bolinhas numeradas a serem sorteadas amanhã, ou daqui a um mês ou dois. No pico de uma curva elevada ou achatada? O que fizemos com o velho e colorido planeta Terra, até outro dia pleno de vida, a mãe Gaia?
     Septuagenário recente, estou na chamada “população de risco” embora a ameaça paire sobre todas as idades. Fixarei no que ficou de bom, ou promete sê-lo, já que o de ruim anda com suas próprias pernas.  Com minha esposa, estou em quarentena, restrito à minha casa onde subitamente desabrocha um mundo com tanta coisa a ser revisitada ou revivida, joias inúteis sem destinação precisa ou bugigangas preciosas a serem reguardadas com um toque maior de carinho. Livros, revistas, coleções, fotos, vinís, CD’s, DVD’s, VHS’s, o velho violão e as revistinhas de músicas cifradas, um mundo antigo sendo revalorizado.
     E tem a internet maravilhosa com seus comentários, documentários, bobagens em geral, filmes e shows do passado distante ou recentes que jamais pensamos assistir ou que sempre quisemos rever, mas nunca sobrava tempo. E tem a cozinha com as velhas receitas familiares.  A necessidade de ficar preso em casa tem trazido boas surpresas jamais pensadas. A tão sonhada viagem cancelada e quase toda paga não está fazendo a menor falta, trocada que foi por uma viagem compulsória e gratuíta para dentro do próprio lar e para dentro de nós mesmos.
     Como país e sociedade global também estamos aprendendo, revendo valores e descobrindo potencialidades inesperadas. Depois da tempestade, os que sobreviverem terão um novo Brasil, um novo mundo. Por exemplo, outro dia o Senado Federal votou importantíssima matéria pela internet. Já pensaram a revolução na qualidade dos votos e da representatividade dos políticos se todos votarem as matérias em suas próprias bases eleitorais olhando na cara de seus eleitores, sem desculpas para fugas de votações importantes?  Domingo passado eu e minha mulher assistimos à missa pela TV. Também descobrimos que os serviços de delivery já substituem com vantagens as saídas pessoais para abastecimento. Só nestes exemplos, quanto de economia em energia, mobilidade urbana, acidentes de trânsito, custos financeiros e ambientais, saúde pública, etc.? Mas os netinhos são insubstituíveis e suas ausências, estas sim, já estão sendo cruéis com tantas saudades.

Um comentário:

  1. Inicialmente entendi como pedras, as que foram utilizadas na pavimentação das duas rampas de acesso ao rio,por onde tudo chegou na formação da cidade, provavelmente soterradas pelo "progresso" depois vi que são outras, de mesmo valor.

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