Revista História Ciências Saúde Manguinhos
Conta a história que no começo do século passado o Rio de Janeiro era assolado pela peste bubônica transmitida pela pulga dos ratos, e o grande sanitarista Oswaldo Cruz, ainda jovem, mas já responsável pela Saúde Pública na então capital federal, adotou como uma de suas principais medidas a compra dos animais mortos, pagando ao cidadão um preço razoável por unidade. Sem dúvida, em tese uma ótima estratégia com perspectivas de excelentes resultados. Só que o jovem doutor não contava com a criatividade nacional. Logo descobriu que a medida havia desencadeado uma “cadeia produtiva” que ia de produtores de ratos, a importadores, passando por toda uma gama de intermediários.
Aparecerem aqueles que compravam os bichinhos do povo e os revendiam ao governo, levando um lucrozinho na transação. Inclusive é contada a história de um destes “empresários” que ficou conhecido apenas pelo nome de “Amaral” que criou uma verdadeira rede de compra de ratos pela cidade, ficou milionário e acabou preso. Pode até ter tido a boa intenção de facilitar a implantação da ideia do governo criando uma “economia em escala”, já que a cidade já era grande e parte da população poderia ter dificuldades para acessar os pontos de compra do governo. Virou figura popular, personagem de charges e música de carnaval. Não sei que fim levou, nem se entrou para a política depois de solto. Houve também casos daqueles que importavam ratos de outros municípios, bem como os que montaram verdadeiros criatórios de ratos pela cidade. Assim, uma boa ideia acabou sendo distorcida. Se bem aplicada poderia ter reduzido o período em que a epidemia prevaleceu na cidade e o número de mortes resultante.
Episódio semelhante teria acontecido na Índia, durante o período do domínio britânico. Não sei se foi antes ou depois do caso de Oswaldo Cruz. O problema lá foi com uma proliferação de serpentes que se espalharam pelas cidades colocando em risco a população, tantos os nativos quanto os britânicos. É claro que o governante teve que tomar providências e a principal delas foi a compra das cobras com o governo pagando um preço atraente por exemplar entregue pela população. Adivinha o que aconteceu? Exatamente o que aconteceu no Rio. Só que ao ser suspensa a política pelo governo, a população abriu os criatórios e as cobras se espalharam em quantidades superiores às de antes. A criatividade então não seria privilégio brasileiro.
O mundo luta hoje contra a pandemia da Covid-19. No Brasil, qualquer que fosse o governo federal, a medida preventiva primordial seria a declaração de Estado de Emergência em Saúde Pública, preparando as estruturas governamentais para os procedimentos rápidos necessários ao tratamento da grave ameaça que se avizinhava. A necessidade de repatriação urgente de brasileiros moradores da cidade de Wuhan, na China, epicentro mundial da contaminação, talvez tenha apressado a emissão da tal declaração de Emergência que veio pelo Decreto do dia 4 de fevereiro, antes da comprovação de qualquer caso em território brasileiro. Parecia que tudo estava bem encaminhado.
Contudo entre as medidas agilizadoras do Estado de Emergência estava a contratação emergencial sem licitação, ou seja, a liberação para aquisição de bens e serviços sem licitação. Traduzindo: bilhões em hospitais de campanhas para construir; respiradores e testes para comprar. Depois o governo decidiu remunerar em dobro os leitos em UTI’s destinados ao Covid-19 em relação aos ocupados por outras enfermidades. Daí, tal como no caso dos ratos de Oswaldo Cruz ou dos indianos, a praga virou oportunidade aos “amarais” de hoje. E a Covid-19 matadora cruel passou de foco a pretexto, enquanto o povo morre.
https://www.bio.fiocruz.br/images/marchinha-ratos-ratos-ratos.mp3
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