"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

FUGA DA EMBOSCADA

MARCELO PAES DE BARROS, doutorando em Física Ambiental, professor do Instituto de Física da Universidade Federal de Mato Grosso



     Nada podemos fazer para evitar. Neste momento em alguma abóbada do interior do continente tem início uma invasão. O invasor, Stratus, um indivíduo grave e tedioso, lentamente começa sua investida para tomar todo o céu. Sem resistências, a penumbra vai tomando toda a terra, como um véu que projeta uma luz lúgubre e monótona. Terminada a investida, no território sob o domínio de Stratus, prevalece uma paisagem opressivamente cinza, que parece não ter fim.
     De formas indefinidas e pouco espontâneo, Stratus disputa os céus com Cumulus e Nimbus. Aliás, para aqueles oprimidos sob o domínio de Stratus, é bom saber que a combinação de Cumulus e Nimbus, como um casal de tiranos, pode tornar mais difícil as condições de vida abaixo do céu. Cumulunimbus pode estender seu domínio por centenas de quilômetros, produzindo condições extremas e destrutivas, trazendo danos materiais e perdas de vidas.
     Os embates entre estes seres não tem hora marcada, acontecem nos céus todos os dias, desde a aurora dos tempos, por todo o Planeta. Para presenciar um destes eventos basta encontrar um bom lugar para contemplar o céu, afinal, Stratus, Cumulus e Nimbus são tipos de nuvens que se sucedem conforme o humor da atmosfera.
     Assim como a observação dos padrões de distribuição das nuvens no céu possibilitou a classificação destas e permitiu previsões confiáveis de mudanças no tempo atmosférico, em outros aspectos da natureza também são possíveis previsões baseadas em padrões encontrados nas regularidades na disposição de formas, números ou cores. Estudos sobre padrões são aplicados em diversas ciências. Pesquisadores comparando os padrões de crescimento de dois tipos celulares, células cancerosas e normais, mostraram que as colônias de células cancerosas possuem uma fragmentação menor, característica interessante para distinção destas. O estudo dos padrões também é aplicado para avaliar a distribuição de minérios no solo, a fragmentação de florestas, entre outras possibilidades.
     Neste sentido, pesquisas recentes do Programa de Pós-Graduação em Física Ambiental (UFMT) confirmaram que o padrão de distribuição das áreas verdes na cidade de Cuiabá contribuem fortemente para a formação do seu ambiente térmico. A extensão desta influência, de até 500 m, e a intensidade, de até 7,0 °C, varia com o período do dia e a estação do ano. Porém em todos os horários em que o estudo foi conduzido as menores temperaturas do ar foram encontradas em espaços com maiores percentuais de áreas vegetadas.
     Em recortes do espaço urbano com baixos percentuais de área vegetada o padrão de distribuição dessa vegetação atua de forma mais decisiva nos ambientes térmicos, sendo que nesses casos uma vegetação menos fragmentada resulta, mesmo que discretamente, em redução da temperatura do ar.
     A recente urbanização, que nem sempre levou em conta o clima local, produziu espaços carentes de vegetação, onde as condições ambientais foram ultrajadas, com agravo à saúde física e mental das populações. A intensificação desse processo pode gerar uma nova condição climática que afetará a qualidade de vida de toda a cidade.
     Estamos numa emboscada, auto-infligida, cujas consequências ainda ignoramos. Como as condições econômicas sugerem que essa dinâmica urbana se manterá por alguns anos, torna-se imprescindível que optemos por soluções sustentáveis e bioclimáticas, cuidados que irão decorrer na qualidade ambiental e valorização do nosso espaço.
      A recuperação dos córregos da cidade e a reconstituição da vegetação que os acompanha, constituída em parques urbanos, a conservação das pequenas áreas verdes e um programa efetivo de arborização de praças e vias públicas, são políticas públicas que podem fornecer o percentual e o padrão de distribuição das áreas verdes suficientes para uma melhor ambiência nestes espaços urbanos.
     A catástrofe climática urbana, provocada pela combinação insatisfatória da disposição urbana e dos sistemas de tráfego, resultados dessa forma de ocupação, com as características climáticas da região, isso podemos evitar.
(Publicado pelo Diário de Cuiabá em 20/01/2012)

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