"FIRMITAS, UTILITAS et VENUSTAS" (Tríade Vitruviana)



terça-feira, 10 de janeiro de 2012

IPORAN

José Antonio Lemos dos Santos


                                         O pelotão do Tenente Iporan, logo antes do ataque a Montese. (http://www.portalfeb.com.br/)
     Não quero cantar as guerras, nem mocinhos, nem bandidos. Falo de heróis. Heróis são aqueles que abraçam com apego uma causa e agem de forma extraordinária para defendê-la com sucesso, podendo ser a camisa de um time, a bandeira de um país, ou uma cidade, uma criança afogando, um empreendimento arriscado. Podem estar de ambos os lados de uma disputa ou desafio e surgem em diversas situações. A guerra é a pior delas. As guerras produzem antes de tudo mártires, heróis ou não, todos vítimas de uma mesma tragédia, e como tal merecem respeito, todos, do lado de cá ou de lá, vencedores ou vencidos.
     As cidades são centros produtores que extrapolam o campo da economia. Seu principal produto é sua gente, cuja qualidade deve ser o principal critério de avaliação de seu sucesso. Cada povo lembra seus heróis personificando sua capacidade de enfrentar adversidades em situações extremas. São lembrados aos jovens como exemplos daquilo que sua gente, ele próprio, é capaz de fazer, até onde pode chegar. Um povo que esquece seus heróis, seus vultos, que não reverencia sua história e sua cultura, perde suas raízes, vira massa inconsciente para interesses escusos, ameba, borra histórica. A propósito, soube do falecimento do Coronel Iporan por um parente meu de fora, que nem é cuiabano, mas também é brasileiro, carioca. Ele, lá, achou importante.
     Falo do Coronel Iporan Nunes de Oliveira, herói da II Guerra Mundial, falecido no dia 3 de dezembro passado sem maiores ou menores reverências em Cuiabá, sua terra natal. Em Cuiabá e Várzea Grande existem ruas com seu nome. Minha mãe, cuiabana de tchapa-e-cruz, contava de sua bravura e de sua condecoração por um militar estrangeiro, que veio especialmente a Cuiabá para homenageá-lo. Ela dizia que nosso herói havia recebido todas as medalhas de guerra, menos a “de sangue”, que nem sei se existe de fato ou se é um resto do meu imaginário infantil, posto lá pela história contada por minha mãe.

O ainda tenente Iporan Nunes de Oliveira (www.portafeb.com.br)

     A internet tem muito sobre o herói cuiabano. Ele participou de diversas missões na II Guerra, ”nas quais sempre fazia prisioneiros alemães”, e em especial das batalhas de Monte Castelo, Castelnuovo e Montese. A tomada de Montese em 14 de abril de 1945 foi sua ação mais memorável. O último bastião nazista nos Apeninos oferecia intensa resistência e sua conquista foi o mais sangrento dos combates brasileiros. A situação era de impasse sem conclusão previsível quando o pelotão comandado pelo então 1º Tenente Iporan abriu uma pequena brecha no campo minado que protegia uma das bordas fortificadas da posição nazista. Teve seu contato cortado com o restante das tropas, mas mesmo assim avançou entrando com na cidade, tomando a torre local, fazendo vários prisioneiros e mantendo a posição de resistência. Diz a justificativa para sua Cruz de Combate de 1ª Classe: “Seu pelotão foi a primeira tropa brasileira a romper o dispositivo defensivo e adentrar no fortificado ponto de defesa dos alemães, em um momento em que as unidades da FEB engajadas na batalha sofriam pesadas perdas decorrentes da obstinada resistência inimiga. Demonstrou coragem, decisão, vontade, senso de cumprimento do dever e iniciativa.”




Fotos e pintura do site  www.forte.for.br

     A condecoração trazida a Cuiabá pelo “militar estrangeiro” foi a Silver Star do Exército dos EUA, trazida com numerosa comitiva pelo General Charles Gerhalt. Recebeu ainda a Ordem do Império Britânico, diploma assinado de próprio punho pelo Rei George VI, o Rei gago, sucesso recente no cinema. Em 1964 passou à reserva. Depois trabalhou como administrador de shoppings e chefe de segurança ferroviário. Se fosse americano era, no mínimo, filme épico. Brasileiro e, ademais, cuiabano, apenas mais um herói oficialmente esquecido.

* JOSÉ ANTONIO LEMOS DOS SANTOS, arquiteto e urbanista, é professor universitário

Um comentário:

  1. Belíssimo texto, José Antonio. Pena que o país tem memória curta ou não tem memória mesmo. Os mais jovens ficam sem saber da nossa história.

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