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José Antonio Lemos dos Santos
Mesmo com as superações importantes trazidas pela evolução do mundo, a velha Carta de Atenas continua sendo um documento referencial do Urbanismo. Uma de suas principais interpretações confere às cidades 4 funções básicas, moradia, trabalho, lazer e circulação, com a “quarta função” tendo como objetivo “só” estabelecer uma “comunicação proveitosa” entre as outras 3 funções. Embora última na descrição das funções urbanas e sem um objetivo em si própria, em nenhum momento a Carta atribui menor importância à circulação, ao contrário, chega a tratá-la como “primordial” ou “vital” à vida urbana. Cabe a ela conectar as outras 3 funções do Urbanismo que não funcionam desconectadas entre si. Sem circulação as cidades param.
Com o tempo os conceitos avançaram e a circulação ampliou-se no âmbito da mobilidade urbana, na qual as várias modalidades de transporte se integram, desde os pés, para articular todas as funções urbanas de forma segura, justa, sustentável e - por que não? – até prazerosa. As cidades cresceram em dimensões físicas, população, complexidade e dinamismo. Fazê-las caber no ciclo solar de 24 horas torna-se cada vez mais difícil. Hoje a circulação ultrapassa sua formulação original de função urbana, e chega a uma situação de condição indispensável à vida das cidades, do banco à borracharia, da fábrica à escola, da mansão ao barraco, do patrão ao operário. Basta ver o colapso geral das cidades quando das paralisações no transporte coletivo, tronco principal da mobilidade urbana. Ou atentar para os custos de seu mau funcionamento tais como as deseconomias diversas, poluição, stress, desperdício energético, perdas de horas de trabalho e, principalmente de preciosas horas de vida do cidadão ou a mortalidade no trânsito. A solução da mobilidade urbana hoje é uma questão fundamental para todos, não só para o usuário de ônibus.
Junto com a Copa das Confederações, nas últimas semanas o Brasil vive grandes manifestações populares em quase todas suas cidades em protesto contra o desrespeito com que as coisas públicas são tratadas pelas autoridades no país. O Brasil parece afinal ter se posto de pé no seu berço esplêndido. Um movimento pelo passe livre foi o deflagrador de toda essa saudável e democrática convulsão pública. Em resposta, de imediato muitas prefeituras reduziram as tarifas em alguns centavos. Mas o movimento avançou e os governantes agora buscam soluções desesperadas para reduções maiores, paliativas, mas não para o passe livre para todos, cobrado pelo Movimento Passe Livre (MPL), deflagrador das manifestações, a saída inexorável para os dias atuais.
A solução exige uma revisão de conceitos sobre a cidade e, nela, a mobilidade urbana. O transporte público é um serviço de custo elevado que serve a todos, mas quem paga é só o usuário, justo aquele em piores condições para fazê-lo. Hoje o transporte público eficiente é uma condição indispensável ao bom e saudável funcionamento da vida urbana. O passe livre universal é a solução e deve ser pensado como o eixo de uma necessária revolução na mobilidade urbana e, por consequência, nos padrões de qualidade de vida urbana no Brasil. Não se trata da criação de um novo imposto, e sim de redistribuir entre todos aquele imposto que já existe em forma de tarifa e que é pago só por uma parte da população. E mais, usando o transporte coletivo o cidadão presta um serviço à sociedade em geral e deveria ser bonificado no rateio total de custos numa futura implantação do passe livre universal, justo e necessário. Nas ruas conforto e segurança com menos poluição, acidentes, engarrafamentos, desperdício de vidas, tempo e energia. Também menos motos e carros. E é aí que o bicho pega.
(Publicado em 02/07/2013 pelo Diário de Cuiabá)
As distâncias entre trabalho e moradia são criadas por políticas públicas de uso e ocupação do solo excludentes que condenam aos menos favorecidos arcar com o alto custo de locomoção em meios de transporte coletivo de baixa qualidade.
ResponderExcluirCaro José Antônio
ResponderExcluirGostaria de saber como é possível fazer isso que você diz:"Não se trata da criação de um novo imposto, e sim de redistribuir entre todos aquele imposto que já existe em forma de tarifa e que é pago só por uma parte da população". Quase chego a ver isso como uma utopia... estarei equivocada?!
Grande abraço
Maristella
Maristella,
ResponderExcluirNão sei ao certo como seria. Estou convicto porém de que o transporte coletivo é um serviço que serve a todos e sem ele a cidade dos ricos e pobres, patrões e empregados para. Portanto é injusto que só o usuário arque com seus custos, o que na verdade é uma espécie de imposto cruel, tão caro que viabiliza u uso do automóvel ou a compra de uma moto.. Como fazer o rateio? Talvez um caminho possa ser o da iluminação pública, que também é uma condição indispensável à vida urbana atual (sem ela não dá). Em muitas cidades ela já é paga através de uma taxa que vem junto com a conta de luz, distribuída a todos. Uma hipotética taxa de transporte público, talvez pudesse vir junto com a conta de água, por exemplo. Com todo mundo pagando (e o governo trazendo a CIDE para ajudar nas contas - ou acabando com ela), ficaria muito mais barato para todos e o acesso livre garantiria uma utilização muito maior do transporte coletivo, reduzindo a presença de motos e carros nas ruas. Os benefícios seriam dificeis de contabilizar. São Paulo da Luíza Erundina chegou a propor, mas com elevação de impostos. Em Cuiabá estudantes, idosos e portadores de necessidades especiais já não pagam e é muita gente a encarecer ainda mais a passagem do usuário.