A propósito do meu artigo postado ontem sobre a BR- 163 veja importante artigo do arquiteto e urbanista, professor Gabriel de Mattos, publicado em 11/10/2002 no Diário de Cuiabá e na Revista do IGHMT Vol. 61 - 2003. Ele fala na ligação do Atlântico ao Pacífico a partir de Ilhéus, porém passando por Cuiabá e Cáceres.
A GRANDE RODOVIA TRANSOCEÂNICA
Gabriel de Mattos
Estuda-se nos livros de Geografia que em Mato Grosso situa-se o
Centro da América do Sul(na capital, Cuiabá), além do centro do Brasil (no
município de Barra do Garças). Bela situação se buscamos aparecer com o nome em
certos anuários ou manuais.
No
entanto, um CENTRO é definido como um ponto equidistante de dois outros, por
onde se passa na metade do caminho entre os dois extremos. De fato, se não se
passa de um extremo a outro, bem... aquele ponto não é um centro, mas algo como
um espaço perdido entre um lugar onde as coisas acontecem e um grande vazio.
É
muito engraçado que a população de Mato Grosso, quando deseja ver o mar, não
tenha um grande problema: Qual deles?
Claro,
se o Oceano Pacífico está tão distante quanto o Oceano Atlântico, porque não
ficar em dúvida?
É
que, na prática, o país ainda não teve a coragem de olhar para dentro, em todos
os aspectos. Ainda ficamos olhando para o mar, vendo a África e achando que ali
está o primeiro mundo, a Europa...
O
brasilianista Mathew Shirts, há alguns
anos atrás, escreveu uma crônica no Estadão, explicando que seu país
natal, os Estados Unidos, é de fato uma grande rodovia, uma extensa rodovia
ligando os oceanos Atlântico e Pacífico. E que isso é que fez daquele país um
laboratório de descobertas, pois uma boa ideia que nascesse no meio dela (ou
nas pontas) pegava a rodovia e ia testar se aquele negócio dava certo em outro
lugar. E mesmo se alguém do lugar de origem menosprezava ou censurava a ideia,
pegava-se a estrada e ia-se tentar em outro lugar.
Exemplos?
O cinema nasceu na costa leste, logo controlado pela figura carismática de
Thomas Edison, que no entanto não pensava sequer no cinema de média metragem.
Apertados no leste? O cinema pegou a rodovia e foi até uma cidadezinha lá no
oeste, uma certa Hollywood. O resto é história.
Boas
idéias como uma lojinha que funcionava das 7 da noite às 11, quando todo mundo
parava às 6 da tarde? A seven-eleven foi uma das primeiras franquias a
ganhar a rodovia. Um hotel com o mesmo padrão de uma ponta a outra? A rede Hollyday
Inn usou o marketing do conhecido para também ocupar a beira da rodovia. E,
chegando a um exemplo indiscutível: hamburguers sempre iguais durante toda a
viagem? McDonalds de oceano a oceano.
Sem
falar nas dezenas de concorrentes desses pioneiros, definindo um cenário de
efervescência criativa interna, que moldou um padrão que resiste na maioria dos
outros países. Chegando a um panorama de globalização.
E é
assim que vejo uma grande Rodovia, uma grande rodovia cruzando o centro da
América do Sul. Não um caminho asfaltado, mal cuidado, sem acostamento, não.
Uma Grande Rodovia, três pistas de Oeste para Leste, três outras de Leste para
Oeste, espaços generosos aos lados, onde a criatividade brasileira vai
implantar suas idéias.
Uma estrada que nasce lá na
Bahia, no porto de Ilhéus, cruza o norte das Minas Gerais, entra em Goiás,
passa no sonho modernista que é Brasília; Goiás de novo e entramos em Mato Grosso. Barra
do Garças, Primavera do Leste, Cuiabá, Cáceres; chegando à Bolívia, cruzando a
Cordilheira dos Andes. Como nós não queremos pouco: grandes viadutos e/ou
túneis sobre e sob, entre as montanhas. E ali, próximo ao maior de todos, o
Pacífico, uma abertura, um entroncamento: ao norte o Peru, porto de Arequipa;
ao sul o Chile, porto de Arica.
Não
se trata simplesmente de “saída para o Pacífico”, significa ligar o Continente,
fisicamente, de fato, apesar e acima de tratados.
Claro
que é uma idéia que dá medo. Não é algo que se possa confiavelmente prever os
efeitos. É claro que algumas reações virão de quem tem medo de crescer, como os
economistas que tem medo do consumo (entenda-se: acesso de todos aos bens
produzidos), ou dos que preferem disputar um espaço exíguo do qual já ocupam
lugares de destaque a confiar numa genuína lei de mercado que tanto pregam e
tanto temem, a qual pode ampliar o espaço a ser ocupado. Não é para quem
acredita em monopólios, em dominar e controlar; é muita coisa diferente que
está envolvida.
E
também trata-se de uma Globalização de fato, não mera abertura para importar
badulaques de quem, em troca, taxa tudo que nós produzimos. É uma via de
comércio, a ser ocupada por “sacoleiros” se as leis não acompanharem a
aceleração da economia. Um desafio para quem deseja criar o seu próprio
negócio: está difícil aqui, vamos para mais longe, a rodovia permite, a rodovia
é a perspectiva.
E é
coisa para já, para os novos governos de 2003. Para começar uma conversa entre
Mato Grosso, Minas Gerais, Bahia, Goiás e Distrito Federal. Um papo com o
Chile, já começado há uns anos atrás, e negociações com Peru e Bolívia.
Um dos efeitos que se pode prever (e
que Mato Grosso já pode começar a trabalhar) é o Eixo Norte-Sul, passando por
Cuiabá e chegando ao norte a Sinop e Santarém e ao sul a Mato Grosso do Sul e
outros países do Mercosul. Um continente integrado, um caminho para o
desenvolvimento. Mercoeste, Merconorte.
É
valido lembrar que a libertação das colônias espanholas, no século XIX,visava
criar os Estados Unidos da América do Sul? Será que alguns líderes políticos
atuais estariam interessados em resgatar um sonho, em entrar para a
História? A História do Século XXI?
Isso é coisa para estadista,
para quem busca dividir a História em antes e depois de sua atuação, por
merecimento e produção, como Getúlio e Juscelino, e não para quem joga com o
certinho, sem sobressaltos, buscando o respeito dos tolos, dizendo que não fez
mais porque era impossível mesmo (que se vai fazer?...).
Não é o futuro, é o Presente
que está aí: o novo século é uma estrada aberta.
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Gabriel de Mattos é arquiteto e urbanista, professor
universitário, Mestre em Educação, escritor e vice-presidente do Instituto
Histórico e Geográfico de Mato Grosso. Este artigo foi publicado no jornal Diário
de Cuiabá de 11/10/2002.
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